quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Lá está a lua dos poetas, eu a convido para ser minha cúmplice todas as noites, minha plantonista das madrugadas, já que agora estou só, pois meu companheiro de jornada, Mr. Pavarotti, meu lindo gato siamês que foi assassinado no reveillon de 2003 em Ponta das Canas, já não está mais comigo, eu, sua bruxa, nós tinhamos um pacto de sermos juntos um só defunto. Ele me abandonou e a vida que perdeu era a sua última, mas sei que nos encontraremos um dia, porque com certeza ele já foi um poeta boêmio. Adorava quando eu lia meus textos e poemas para ele, que ouvia com seus olhos azuis rasgados semiscerrados, depois dava o ar da sua graça, mesmo se eu não pedisse. Agora não tenho com quem dividir as madrugadas, então deixo a porta aberta para a lua ficar me espiando.
Da sacada do meu estúdio, me encantam tantas cores e meu Buda se queda em paz entre as pedras de rio
Peço desculpas pelos erros de digitação, de forma, amanhã já estarei fazendo as correções necessárias.
foto da minha casa ao anoitecer, por entre as arvores do jardim a lua dos poetas já vinha me encantar.

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SUPERLATIVA

Desde muito nova eu nunca me adeqüei a diminutivos como, boazinha, arrumadinha, quietinha, meiguinha, comportadinha, aliás, tudo em mim era exagerado. Sempre fui superlativa.
Lembro quando ouvi pela primeira vez a canção de Cazuza , exagerado, pensei, este cara já ouviu falar de mim!
Inquieta e curiosa, vivi minha infância entre tapas e castigos, pois meus pais eram muito jovens e não sabiam como lidar com aquele vulcão em eterna ebulição.
Fui crescendo agregando adjetivos desqualificativos que colaram na minhapersonalidade, hoje digo, graças a Deus!
Como não me enquadrava nos interesses das meninas e preferia subir em árvores, desmontar bonecas, sujar a roupa, invadir assuntos proibidos à minha idade, fazer o que não devia, dizer o que não devia, ser o que não devia, meu pai generosamente me brindava com rótulos depreciativos.
Perguntar era o meu verbo favorito.
Ler passou a ser o meu maior interesse, uma vez que vivia cumprindo pena em cárcere privado.Havia um lugar especial para me confinar, ficava entre as portas do armário do quarto do quarto dos meus pais. Formava um canto propício.Ali passei grande parte da minha primeira infância e ali fui contemplada com a minha primeira fobia. Baratas! Elas circulavam em torno de mim, enquanto eu berrava de pavor.
Nos dias de hoje, tal comportamento seria motivo de denúncia à vara da infância, por infringir os direitos da criança, mas naquela época tal comportamento era tido como um dos princípios da disciplina educacional.
Aos cinco anos, fui matriculada no colégio das irmãs Franciscanas de São Bernardino, cuja “Ordem” era exaltada por serem anjos de bondade e dedicação ao próximo. Cruz Credo!
Logo no primeiro ano, a irmã responsável pela minha classe pediu autorização aos meus pais para corrigir algo em mim, que ela com educadora julgava intolerável. Eu perguntava demais .
Apesar de fazer um longo tempo, lembro perfeitamente o que causou a fúria da minha freira-professora.
Durante uma aula de religião, fiquei confusa sobre todo o homem ser a imagem e semelhança de Deus. Tal dúvida surgiu porque tínhamos diversas imagens Dele pelas paredes e corredores. Ele era branco, velho e tinha barba. Só quem eu conhecia igual a ele era o Papai Noel.
Na ingenuidade dos meus cinco anos, não conseguia achá-lo parecido com ninguém mais, principalmente com meus amiguinhos.
Então, sendo quem era, perguntei: como era possível todos sermos iguais a Deus, se éramos todos tão diferentes?
É claro que a religiosa logo recebeu carta branca de meu pai para corrigir-me.Por conta disto, acabei em pé na frente dos meus colegas, com um esparadrapo colado na boca. Nasceu daí a minha segunda fobia: o silêncio da ignorância, da intolerância.
Mais tarde, no terceiro ano, conheci Irmã Marcela, o pior bicho papão que freqüentou meus pesadelos por muitos anos.
Era minha professora de matemática, matéria que jamais foi privilegiada com a minha atenção ou o meu interesse, então as dobras dos meus pequenos dedos eram constantemente abatidas por golpes do apagador da lousa.
Através da dor aflorou a minha terceira fobia: matemática.Assim, sendo corrigida dia após dia, fui piorando gradativamente até o curso ginasial. Nessa época eu era um perigo.
Meus olhos enormes e brilhantes viajavam pelas janelas da classe, nas asas da imaginação e através da leitura constante criei mundos paralelos, aonde me refugiava dos opressores.
Claro que ainda não conhecia todos estes termos, mas tinha uma sensação esquisita que a vida não podia ser apenas do jeito que eles a entendiam.
Passei a escrever minhas impressões naqueles pequenos diários que as meninas recebiam de presente das madrinhas. E impressões era o que não me faltava. Então renasceu a minha primeira grande paixão: a literatura, porque acredito firmemente que ela me acompanha através do tempo dos meus tempos.
No decorrer desta história, Deus, aquele velho de barba branca das imagens penduradas por todos os cantos da escola, talvez penalizado pela minha má sorte , convenientemente deixou que eu fosse neta do meu avô, um anjo que foi destinado para a minha alegria e prazer. Com ele e por ele cresci aprimorando o que tinha de bom, a curiosidade e a vontade incansável de fazer perguntas. Ele sempre tinha respostas para todas as minhas perguntas e se deleitava com nossas conversas intermináveis.
Eu era a sua neta preferida e ele o meu mentor,com ele troco idéias até hoje, porque continuamos nos encontrando nos meus sonhos.
Toda esta história voltou à minha lembrança por causa de um livro que estou lendo, chama-se Mentes Inquietas, escrito pela Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva e trata sobre pessoas especiais, daquelas que achavam que não tinham jeito, pessoas DDA – com Distúrbio do Déficit de Atenção, que basicamente nasce de algo que se denomina trio de base alterada, formado por alterações da atenção, impulsividade e velocidade da atividade física e mental. Resultado, o DDA oscila entre o universo de plenitude criativa e o da exaustão de um cérebro que não pára nunca.
Dentro deste contexto me enquadrei. Não totalmente, mas com inúmeras características, principalmente oriundas da infância, e senti um grande pesar pela ignorância deste assunto por parte dos meus pais.
Na medida que ia avançando na leitura, mais gostava de ser enquadrada junto com outras pessoas ali citadas, como Albert Einstein, Fernando Pessoa, Henry Ford, Leonardo Da Vinci, Beethoven, Van Gogh.
Quem conhece suas obras, conhece seus traços de loucura, seus temperamentos difíceis e alterados, a sua criação. Realmente, nós os exagerados somos muito criativos.
Em comum temos apenas os traços DDA.O que importa é que todos eles deixaram sua passagem registrada na história da humanidade e eu, um grão de areia diante deste oceano de sabedoria, sei apenas que muito depois da minha partida, alguém poderá estender a mão em uma biblioteca qualquer e ouvir minha voz sussurrando ao vento, através de sua imaginação. Meus penamentos, minhas indagações, alegrias, tristezas, sentimentos, tudo ficará reverberando no universo, como a voz que nunca calei.