quarta-feira, 2 de junho de 2010

INÁCIO - Um amor sublime amor

Inácio foi um daqueles encontros maravilhosos e inesquecíveis que a vida nos oferece. Éramos almas gêmeas, feitos um para o outro. Lembro dele dentro daquele uniforme do Colégio Militar de Porto Alegre, com o seu sorriso descarado desenhando um par de covinhas indecentes no rosto de menino, já de barba cerrada. Seu olhar esverdeado era irresistível e sedutor, aos quinze anos de idade.
Deus na sua infinita sabedoria não nos uniu por tempo suficiente para macular um amor assim tão perfeito
com as mazelas da desilusão. Então, na minha memória, ele permanece cristalizado, intocável, não envelheceu, não engordou, não azedou. Vive emoldurado por aquela luz de fundo que dá brilho às grandes histórias de amor.
Nosso romance juvenil às vezes se confunde com as grandes produções cinematográficas que a gente assistia de maos dadas, em tardes de domingo no cinema Marrocos. Uma love History, um amor sublime amor, ele o meu Romeu e eu a sua Julieta.
O desgosto e desgaste era das famílias, pois diziam que éramos primos, desculpas para nos afastar.
Os encontros das turmas do bairro, final dos anos sessenta, muita música, muita dança, minhas amigas, os amigos dele, nossos amigos, muita rebeldia e a agitação dos anos dourados, no tempo em que o lança-perfume era liberado e a cuba libre embalava nossas baladas de sábado à noite, ao som dos Beatles e muito rock- and -roll, era tudo o que precisávamos para escrever a nossa história.
E aquelas tardes de domingo no escurinho do cinema? Longe da repressão, bocas meninas com desejos adultos, momentos que jamais esquecerei.
Nosso namoro era patrocinado por minha mãe, auxiliado por amigos, tias, irmãs e irmãos menores, que na sua pureza infantil e acima de qualquer suspeita carregavam o calor da nossa paixaõ em infindáveis bilhetinhos apaixonados.
Biológicamente ele era três anos mais moço do que eu, mas na aparência e experiência era pura magia e sedução. Naqueles tempos fumar era pré-requisito para o sucesso e uma das portas de acesso à emancipação. Nós dois então fumávamos Minister, ( O M que satisfaz).
Como nem sempre podíamos sustentar nosso dispendioso vício delinquente, em várias oportunidades dividíamos o mesmo cigarro.
João Artur, seu irmão caçula, trazia dentro do violão Gianini 10, a metade de um cigarro, invariavelmente a parte do filtro, totalmente manuscrita com declarações de amor abnegado, eu te amo, eu te amo, eu te amo.
Doía incinerar tanta devoção. Prova maior de amor não poderia haver!
Inácio tocava violão divinamente e cantava para mim o tempo todo. Éramos radiantemente felizes e não sabíamos, queríamos crescer, ser adultos, ansiávamos por mais liberdade, principalmente para o nosso amor, quele tipo de liberdade que quando chega contamina e destrói como um vírus letal, todas as sensações que só o proibido produz.
Meu pai fez de tudo para nos separar e conseguiu. Não lamento!
Hoje quando preciso de encantamento, esperança, de crença no amor genuíno, abro as portas das recordações mais incríveis da minha juventude e lá está Inácio à minha espera, tocando violão e cantando a nossa canção: "volta meu amor, não sei viver sozinho assim, tão longe de você, meu pranto não tem fim"...
No cinzeiro, meio Minister queima sozinho, sem a parte do filtro, esta ainda queima nos meus lábios.

texto do livro Para Um Homem Chamado Silêncio
Direitos Reservados: Liane Flores - Editora Movimento - P.Alegre

E o galo já cantou!

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